Encontra-se abaixo uma análise do filme Juízo feita por mim e também apresento-a como forma de divulgar esse filme,pois é interessante,principalmente para indivíduos que se interessam pela área jurídica.
Referências:
Título Original: Juízo
País de Origem: Brasil
Gênero: Documentário
Classificação etária: 14 anos
Tempo de Duração: 90 minutos
Ano de Lançamento: 2007
Direção: Maria Augusta Ramos
O filme Juízo mostra a triste realidade que afeta a população brasileira, sendo essa de maioria pobre, que, em prol de sua sobrevivência, pela falta de oportunidades e devido às desigualdades sociais, pessoas traficam, roubam, matam e vivem imersas em situações de risco e de marginalidade. Essa condição de vida é perceptível em audiências jovens que, infelizmente, não têm alguma expectativa de vida, pois eles vivem em uma dicotomia vida X morte, arriscando-se de forma brutal para alcançarem seus interesses, intento geralmente quase sempre sem êxito, tendo algumas vezes como resultado disso o cerceamento de circulação entre os ambientes, indo de encontro ao direito natural do indivíduo: a liberdade.
O cárcere, espaço institucional da justiça, mostrado de forma explícita no filme, acolhe indivíduos condenados pelos tribunais, para cumprirem sua sentença. Mas, anteriormente à prisão, é preciso questionar: o que eles fizeram? Quais são os fatores que influenciaram no seu julgamento e na sua prisão? Ouvir a versão de cada uma das partes e das testemunhas e ter provas concretas são ações imprescindíveis para os juristas determinarem uma solução para o caso e as penas as serem cumpridas.
Na cena do filme em que ocorre o julgamento, as autoridades se voltam para o histórico pessoal do condenado, quando duas meninas acusadas de roubarem um turista, precisamente perto do hotel Othon, são julgadas. No filme, os órgãos representados pela justiça analisam fatores sociais: eram meninas desempregadas, sem estudo, ambas possuíam filhos pequenos, possuíam baixa renda familiar. Isso aparece em uma cena quando uma delas afirma que roubou, mas foi para comprar uma lata de leite ninho para o seu filho que estava passando por necessidades alimentares. Percebe-se no filme então que os jovens, no momento de sessão no tribunal, são julgados culpados ou inocentes, levando-se em consideração aos aspectos de vida social, como citados no exemplo anteriormente.
O homem e a mulher, por serem seres sociais, compartilham com outros/as formas de agir e pensar sobre o mundo e as suas próprias ações, logo, nas diversas cenas da película, são notórios aspectos culturais: os jovens infratores têm linguagens próprias e se expressam de forma semelhante, fazendo assim uma analogia que a comunidade em que vivem tenha grupos diferentes de pessoas, com seus respectivos códigos simbólicos, os quais podem se assemelhar ou não em outras comunidades. Em um determinado momento do filme, por exemplo, percebe-se a falta de informação do réu em relação à sigla L.A., que significa Liberdade Assistida, mas que para ele é um vocábulo pouco comum com seu meio social em que ele vive. E, por ter esse desconhecimento, ele fugiu da prisão, sendo liberado no dia seguinte. Ao fazer mais uma analogia entre a ficção do filme e fatos do cotidiano brasileiro, podemos concluir que os aspectos da vida social e cultural são fundamentais para a compreensão do indivíduo por inteiro e para o entendimento da sociedade em que vive.
É preciso salientar que a audiência mostrada no filme se passa no Tribunal de Justiça ─ Vara da Infância e Juventude. Uma audiência é constituída de diversos atores sociais, como os familiares, juízes, promotores, defensores, jurados, réus e testemunhas e, externamente, há os agentes penitenciários. O tribunal é uma ambiente de estudo, análise e julgamento de comportamentos de indivíduos que cometeram delitos e/ou ações que feriram a dignidade humana e/ou a vida em sociedade. Assim ele aparece caracterizado no filme, pois há um julgamento de indivíduos que praticaram certo delito, no caso, roubo, furto e homicídio. Esses atos criminosos são mostrados de forma real, às vezes, de maneira autoritária pelos representantes do poder Judiciário, que têm a função de julgar, de acordo com as leis criadas pelo Poder Legislativo e de acordo com as determinações constitucionais do país.
A juíza, se comparada ao advogado de defesa, personagens que mais se destacam no filme, tem diferenças notórias, no que diz respeito à postura corporal, falas e discursos. A primeira tem a função de julgar e sentenciar, agindo de maneira ríspida e autoritária, demonstrando assim a razão e a verdadeira face do poder do Estado: uma instituição poderosa que estabelece regras de convivência através do poder coercitivo. Vale ressaltar que a coerção não se dá somente no ato de agredir fisicamente o outro, mas também de exercer o poder através de palavras, como é o caso da juíza em diversos diálogos com os jovens infratores. Ela questiona o réu em uma das cenas: “─ Como é que um cara te chama para roubar e você vai? Ele manda em você; ele é seu pai por acaso?” [...] “Se estivesse em casa, não teria feito o delito” [...] “Seu pai te educou para ser ladrão?”
Já os advogados de defesa, como o nome já diz, eles têm a finalidade de defender o réu nos tribunais, mostrando-se assim mais compreensivos diante do acusado e proporcionando condições de absolvição ou pelo menos de garantir uma pena devidamente equilibrada. O defensor possui diálogos pacíficos, sempre visando ao bem-estar dos infratores: “[...] é preciso também notar que ele tem família, seu crime não foi de alta importância” [...] “assim como nos Santo Dummont como no CRIAM não tem instalações adequadas para que as mães fiquem com os seus filhos”. [...] “caso elas forem para o CRIAM serão violados o direito delas de ter os filhos na sua companhia e vice-versa”.
Ambos atores sociais citados acima devem ter uma certa formalidade, até porque se encontram em um ambiente próprio para isso.Tanto o promotor quanto a juíza usam cada qual o seu método de persuasão. Até a postura corporal, sendo essa uma regra imposta pela civilidade, pelas conveniências, faz com que ambos atores sociais também se adéquem de maneira apropriada ao contexto. Por último, os agentes penitenciários, demonstram certa autoridade perante os jovens infratores, tendo postura de militar e ditador, quando todos os presos devem obedecer-lhes, respeitar as normas, em vários momentos do filme, quando são evidenciadas neste trecho: “─ [...] abre a boca, levanta a língua! por isso que rodam fácil, fácil”, “levanta a camisa”. Fazendo uma análise nessas falas dos agentes, é notório que todas elas estão sempre no imperativo, dando assim a ideia de ordem e de poder e mando sobre o outro.
A película Juízo, com o intuito de mostrar a realidade de jovens infratores, apresenta para o público alguns fatores sociais que envolvem a prisão e os julgamentos, transmitindo, conseqüentemente, conceitos os quais são imprescindíveis para o Poder Judiciário, entre eles estão menoridade, punição, culpabilidade, direito e Estado. Primeiro é perceptível em diversos momentos como, por exemplo, todos os casos citados no filme mostram que os jovens, que cometeram delitos, têm idades menores de 18 anos. No primeiro caso apresentado, a juíza ainda questiona: “[...] você tem 17 anos na quarta série?”. A questão da menoridade, no que diz respeito ao âmbito jurídico, atualmente se fundamenta na ideia de que o menor de dezoito anos de idade possui ainda um desenvolvimento mental incompleto, sendo assim, não tem condições de compreender o caráter ilícito de sua conduta. Tanto é que muitos dos jovens não têm sentenças graves, mas sim ajuda psiquiátrica, internamento no Padre Severino, como também indicação de atividades que contribuam para que os menores voltem a viver no convívio social de maneira consciente e pratiquem atos condizentes com as atitudes de um verdadeiro cidadão.Mais adiante existe a punição, como uma maneira de fazer justiça, como uma medida, a qual é aplicada para um determinado indivíduo de acordo com os seus atos incorretos. Nesse caso o que for determinado pelo poder vigente, baseado nos critérios da Constituição Federal. A prova disso é um dos casos que mostra de forma evidente esse fato é o do menino que matou o pai com uma facada na região peitoral. Para esse ato, a juíza deu uma sentença, uma punição, que foi permanecer durante a semana no CRIAM com acompanhamento psicológico e nos finais de semana voltaria para casa e assim consecutivamente.
A noção de culpabilidade deriva das palavras culpa e culpado. Esses últimos ocorrem quando uma pessoa é responsável por uma falha, uma transgressão, ou seja, por ter praticado um ato condenável. Assim, a culpabilidade em si reside em uma ligação entre o sujeito e o fato criminoso, sendo esse doloso ou culposo. Nas audiências, no filme, é perceptível que os réus na sua maioria não hesitam em contar a veracidade dos acontecimentos. É claro que todos tiveram argumentos para sua autodefesa, como o menino que disse que roubou porque um determinado indivíduo lhe forçou. Em síntese, todos demonstraram a culpabilidade tanto no que se refere ao grau doloso (conduta dolosa), como foi o caso do menino que matou o pai, culposo como o da menina que furtou e que, por não ter anteriormente alguma passagem pelo crime, o Ministério Público concedeu a ela uma remissão.
Por fim, relacionando o conceito de direito e o de Estado, pode-se afirmar que ambos estão interligados. Em primeiro lugar, é preciso consultar à Constituição para entender esses sentidos. A Constituição declara que todos os cidadãos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo a esses a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade etc. Durante todo o percurso do filme percebe-se que a questão do direito de ir e vir não é algo tão simples para ser posto em prática. A liberdade é algo inerente ao homem, mas ela passa a ser obsoleta no momento em que, por exemplo, esses jovens cometem delitos. Daí surge o Estado, mantendo uma relação estreita com o direito, com a finalidade de aplicar as penalidades previstas pela Ordem Jurídica, no intuito de manter o equilíbrio, uma co-existência pacífica entre as sociedades para que consiga viver em uma ordem social, logo tudo é permitido que se faça, exceto aquilo que a lei expressamente proíbe.
Durante as audiências muitos dos jovens, no filme, que cometeram delitos mais graves, tiveram como sentença a ida para unidades de reabilitação como, por exemplo, o Instituto Padre Severino. A partir desse centro de recuperação para jovens infratores, é possível refletir a respeito de outras intuições como essas que têm como objetivo principal impor condutas para esses indivíduos de forma a alcançarem, no futuro, a reintegração ao convívio social. Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que essas unidades têm propostas de (re) inserção desses nas comunidades agindo em prol do bem comum, é perceptível nas cenas alguns desdéns por parte dos agentes penitenciários diante desses menores. No Instituto Padre Severino, eles são identificados por números e não como pessoas. Já em relação aos métodos adotados, há certo rigor, disciplina e ordem nesses estabelecimentos regidos pela autoridade vigente, que é, no caso, a figura do agente penitenciário. Além dessas cenas, há ainda como fator positivo o papel da funcionária, mostrada no filme, que trabalha na Vara da infância e vai às celas para investigar como os presos comem, se vestem, dormem e inspeciona todo o conjunto que rodeia os cerceados de liberdade, de forma a melhorar o seu convívio. Em síntese, é possível afirmar que essas unidades de reabilitação proporcionam de certa forma condutas nas quais transmitem para os infratores a ideia de ética, um comportamento que vai se adotando na medida em que aprendem as normas e os valores das instituições, mesmo considerando deficiências que ainda permanecem em segmentos prisionais do Estado.
O filme Juízo, primeiramente, é baseado em pesquisas etnográficas. Essas visam ao estudo das culturas, consideradas como um sistema de significados mediadores entre as estruturas sociais e a ação humana; além de analisar, examinar as diferentes formas de um grupo particular de pessoas, que no caso seriam as que vivem nas grandes favelas brasileiras. Além disso, a etnografia compõe os postulados da antropologia jurídica, essa, por sua vez, tem como base o estudo do direito, voltando-se para a questão da justiça como requisito fundamental para a organização social e cultural.
Segundo, todo o documentário se passa em um ambiente que em muito se assemelha com o real: a 2ª Vara da Justiça do Rio de Janeiro, o que facilita, de forma significativa, através de meios etnográficos, para o entendimento de mecanismos de funcionamento da justiça brasileira. Em vários fragmentos do documentário percebe-se que a pesquisa etnográfica, para a produção do documentário, se baseou indubitavelmente na realidade vivida pelas classes laboriosas e por grupos destituídos de direitos sociais, civis e políticos. A título de exemplo, no documentário, em vários momentos, na audiência, a juíza atribui sentenças, estando ciente de costumes e valores e de toda conjuntura social e econômica dos grupos a que pertencem as pessoas em julgamento. Além disso, vale ressaltar que a juíza baseia-se em prática e métodos da pesquisa de cunho etnográfico, aproximando sua linguagem ao máximo dos sujeitos envolvidos no juízo. Ela tem uma característica bastante peculiar: ela extrai o máximo de conhecimento possível dos jovens infratores, utilizando-se a sua própria linguagem e não uma linguagem totalmente técnica: “─ valeu ou não valeu? [...]” “Quer dizer, se um homem estranho te chama para você segurar uma arma, você segura. Então, se alguém mandasse você segurar uma bomba você também seguraria?”
Pode-se ratificar, diante disso, que a pesquisa etnográfica contribui de forma significativa para conhecer as pessoas em julgamento para além das ações que lhes incriminam, haja vista que essa estratégia de coleta de dados favorece o conhecimento dos sujeitos não apenas pelos seus crimes cometidos, mas também pelas diversas realidades e repertórios socioculturais que lhes circundam. Isso indubitavelmente colabora positivamente entendimento deles, de suas condutas e atitudes, possibilitando a ampliação de informações e mais condições para a determinação das penas e sentenças.